“Uma terra pode ser santa em qualquer lugar”. Dessa fala de
uma personagem do filme Trem da Vida,[1]
de Radu Mihaileanu, crio uma paráfrase relembrando a celebração da chamada “semana
santa”: uma semana pode ser santa a qualquer momento.
A referência busca sentido no ato de amor incondicional do
Filho de Deus – Jesus. Quando ele se entregou na cruz atraiu a si gente de
todas as tribos, etnias, culturas e nações. E naquele instante se
desmistificava o monopólio religioso. O Cristo estava de braços abertos para
acolher a tantos quantos nele cressem e o recebessem.
Após a última Páscoa vivida por Cristo muitas outras tem sido
celebradas, unidas a outros ritos que enaltecem uma mudança de vida. Mas o rito
parece não garantir as mudanças requeridas. Também em países ditos cristãos, e
em vários outros contextos religiosos que preconizam a prédica do amor, imperam
ódio, inveja, terrorismo, e toda sorte de corrupção. Muitos dos que praticam
tais coisas estão sempre, ou esporadicamente, nos templos. Não é de se admirar,
portanto, que a fome, o terror, as pestes e as guerras tenham virado indústria
entre os humanos.
Neste momento histórico, também, há muitos querendo viver
definitivamente uma experiência do tipo pascoal. Uma passagem, ao que se remete
o termo, um deslocamento. Hoje ele é cultural, geográfico ou social. Mas
deveria ser espiritual - Reclamar uma mudança. E é preciso ter coragem e
determinação para tal. E, por quê? Sim, mudar porque o bom mesmo é ficar do
lado da vida, ficar perto de quem oferece e vive a paz, caminhar ao lado de
quem, por saber aonde vai, mesmo nas tramas da morte, encara a realidade na
perspectiva da ressurreição. Esses sempre têm muito a nos oferecer.
A narrativa do filme citado sugere um deslocamento de
conceitos. A fala citada aponta possibilidades que quebra paradigmas. De fato a
terra não é santa só em “Israel”. Ela é “santa” por si só e isso porque criada
por Deus nela se efetuam vivências subjetivas, e sendo assim ela é sacra em
qualquer lugar, para contrapor a doutrina de que um dia ela foi “amaldiçoada”. Sacra,
de modo genérico pela compreensão da sacralidade da vida como um todo.
Da mesma forma, religiosos deveriam deslocar sua estrutura
conceitual: Todo dia, cada semana, e todo instante pode ser “santo”. Se o fluxo
da vida caminha no viés da ressurreição, então não se pode negar a sua
sacralidade. Mas para isso “viver é preciso”[2].
E para ser “preciso” seu cálculo deve apontar um deslocamento autêntico –
páscoa verdadeira -, aquela que não se vive apenas por um momento, que não
busca interesses egoístas, que não segue na direção de um desenvolvimento
desenvolvimentista. Ao contrário, aquela que, anunciada por Cristo, profetisa o
altruísmo. Nesse sentido não há uma única “semana santa”, toda semana é santa,
todo dia é dia de “paixão”, de doar-se em amor e de morrer em prol do
semelhante, partilhando sofrimentos e amenizando dores.
É assim que poderemos tornar todos os momentos e lugares,
sagrados, toda atitude digna da presença divina, e eternizarmos a celebração da
vida - sempre uma nova vida, que se concretiza a cada instante, e não somente quando
se estabelecem os ritos religiosos. Então cumpre-se o que afirmou Jesus: “Eu
vim para tenhais vida, e vida em abundância”.[3]